No artigo Gêmeo Digital: Esqueça Tudo Que Você Sabe Sobre, mencionei que "vários dos atuais problemas de integração da Indústria 4.0 serão resolvidos com a adoção dos gêmeos digitais." Entusiastas, e até mesmo céticos, do conceito Indústria 4.0 me questionaram: Mas como?

Eu entendo a curiosidade. Até hoje, cada provedor de tecnologias habilitadoras da i4.0 tem usado sua própria solução para conectar-se aos sistemas do cliente final, consequentemente, cada integração exige um significativo esforço das partes. E, para piorar, se o usuário trocar de provedor, terá que criar uma nova integração. Já temos visto essa história desde a terceira revolução industrial, iniciada nos anos 70: cada provedor de solução de automação com seu protocolo próprio, inviabilizando a interoperabilidade.

Dessa vez, os grandes fabricantes de sensores, atuadores, motores, drives, gateways, robôs, softwares, etc. se uniram para definir um padrão chamado AAS: Asset Administration Shell. Em uma tradução livre, Concha de Administração de Ativo. No nosso grupo de estudos de Gêmeos Digitais da ABII eu tenho chamado de Aspirina, já que AAS também é o acrônimo de ácido acetilsalicílico e promete resolver enormes dores de cabeça.

Dentre as principais vantagens do AAS, podemos citar:

• é uma possibilidade genérica de compor informações para casos de uso da i4.0, ou seja, todos geram ou consomem informação de uma forma única.
• pode ser usado para produtos inteligentes e não-inteligentes, ou seja, por mais que o ativo não tenha conectividade você poderá consultar o seu gêmeo digital através de código de barras ou QR code.
• cria pontes entre fronteiras de empresas, já que os participantes das cadeias de valor disponibilizarão informações em um formato padronizado. Quer o manual da sua geladeira? É só buscar no seu gêmeo digital. A geladeira precisa de reparo, será que ainda está na garantia? Tanto você, quanto o fabricante e a assistência técnica poderão verificar a data de fabricação, de venda e, consequentemente, a cobertura da garantia, diretamente no gêmeo digital.
• é escalável e expansível, ou seja, os provedores de serviços digitais poderão fácil e rapidamente oferecer serviços para os clientes e consumidores. Você assina um serviço digital, vincula ao gêmeo digital do seu ativo e pronto!
• cobre todas as fases do ciclo de vida do produto, do projeto à manutenção. Com isso, existirá uma fonte única da verdade (single source of truth), algo utópico hoje em dia já que os sistemas digitais não se integram. Duvida? Lembra quantas vezes você digita seu endereço por ano? Em teoria, você poderia digitar seu CPF e autorizar o uso dos seus dados da base de dados da receita federal e pronto.
• habilita a integração de cadeias de valor: fabricantes, integradores, operadores e manutentores, poderão trocar informações e prestar/consumir serviços de uma forma muito mais integrada. Se a sua geladeira estiver com problema no compressor, o fabricante do compressor poderá interagir diretamente contigo sem a necessidade de intervenção do fabricante do eletrodoméstico.
• serve como a fundação digital para o desenvolvimento de sistemas autônomos e inteligência artificial. Sem uma padronização de dados, os sistemas não serão autônomos e a inteligência artificial nunca alcançará seu verdadeiro potencial.

Prevejo que a atual indústria de provimento de soluções para a i4.0 vá se dividir em dois grandes grupos:

1. Construtores: fabricantes e integradores que construirão gêmeos digitais, usando AAS como padrão. Exemplos: fabricantes, construtoras, montadoras, integradoras, etc.
2. Tomadores: provedores de soluções baseadas em tecnologia de informação que gerarão valor aos usuários finais consumindo os dados dos gêmeos digitais construídos pelos construtores. Exemplos: fábricas de software tais como ERP, MES, BI, LIMS, PI, etc.

Aposto que os construtores que não usarem o AAS como padrão, serão como o Betamax contra o VHS. Daqui a cinco anos veremos se eu estava certo.

Quer explorar em primeira mão todo o potencial do AAS, trazendo um grande diferencial competitivo ao seu negócio? O Grupo de Trabalho de Tecnologia da ABII criou um grupo de estudos sobre o tema que se reúne todas as quintas-feiras à noite. A participação é aberta a todos os associados.

Venha você também fazer parte desta transformação: associe-se a ABII!