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O dilema do controle da combustão diretamente em PLC´s

Na indústria, já me deparei com diversos tipos de controles de combustão em equipamentos térmicos: da ausência total de controle, infelizmente ainda bem comum em aquecedores de panelas de fundição, até o estado da arte, os quais contam com sofisticados algoritmos. Em alguns destes equipamentos, principalmente nos importados e de grande porte, o gerenciamento e controle da combustão é feito por meio de PLC´s (programmable logic controller). A justificativa é muito simples: com tudo centralizado em um PLC, a vida do projetista do equipamento fica mais fácil! Todos os sinais são condicionados no hardware e tratados na programação, facilitando com que trafeguem em uma rede de automação e possam ser utilizados no controle do equipamento ou em outros pontos da malha de automação.

Mas, será que a lógica de controle do queimador pode ser executada diretamente via PLC?

Bem, vamos analisar o que algumas normas abordam sobre o assunto. Primeiramente, mais especificamente, a norma brasileira e posteriormente, uma norma que é utilizada como referência por muitos fabricantes mundiais de fornos e estufas.

A norma brasileira, NBR 12313:2000 – Sistema de combustão - controle e segurança para utilização de gases combustíveis em processos de baixa e alta temperatura, não aborda especificamente as características de hardwares e softwares de automação para gerenciamento e controle da combustão. Em um trecho, apenas menciona que os dispositivos de detecção e proteção de chama que utilizem microprocessador ou microcontrolador, deverão possuir um software, construído de tal modo que o acesso e alteração pelo usuário, seja impossível.  O entendimento aqui fica aberto a interpretações, já que tanto o microprocessador ou microcontrolador podem fazer parte de um programador de chama ou de um hardware de automação, como um PLC. Se analisarmos do ponto de vista do programador de chama, entendemos que não é algo tão trivial fazer o acesso ao software que roda nesse microcontrolador, pois precisa-se de um conhecimento razoável em eletrônica embarcada além de ferramentas para gravação posterior desse software nesse microcontrolador. Se analisarmos do ponto de vista da automação, podemos interpretar que a norma aborda o software que roda dentro do microprocessador da CPU do PLC. Aí sim, seria possível ter acesso ao software, com possibilidades de edição, no caso de o software não ser protegido. Nessa norma, esse tema é de certa forma polêmico e pouco esclarecido, porém, de qualquer forma, o software de controle deve ser inacessível e inviolável. Já quanto ao hardware, a norma não menciona se deve possuir alguma certificação de segurança do tipo SIL (Safety Integrity Level), conforme a EN ou IEC 62061, que representa uma norma específica do setor de segurança funcional dentro da IEC 61508.

Muitos fabricantes globais de fornos e outros equipamentos que utilizam queimadores, projetam com base nas prescrições em outra norma, a NFPA 86 - 2019: Standard for Ovens and Furnaces. Essa é uma normatização utilizada nos Estados Unidos para a fabricação de fornos e estufas, por entenderem ser uma boa referência para os requisitos de segurança em sistemas de combustão. A última revisão desta norma entrou em vigor em janeiro de 2019 e, assim como nas versões anteriores, faz uma abordagem sobre os requisitos de hardwares e softwares de automação aplicados ao gerenciamento e controle da combustão.

A abordagem é muito interessante e digamos, sensata. A NFPA 86 recomenda que, ao utilizar PLC´s para gerenciamento e controle da combustão, que estes possuam certificação de segurança no mínimo SIL2 para seus módulos de I/O. Isso é sensato, já que os programadores de chama convencionais, já possuem tal certificação. Já a lógica de segurança deve possuir blocos de funções a prova de violação. Resumindo: os sinais condicionais da combustão como sinais de pressostatos de mínima e máxima de gás e pressostatos de ar, devem ser conectados às entradas seguras desses PLC´s e o software deve ser restrito a edições. Essa norma, é mais específica e esclarecedora, pois aborda explicitamente a utilização de PLC´s, desde que cumpram os requisitos citados. Quanto ao software, o acesso deve ser restrito a especialistas.

O que existe hoje disponível no mercado para automação?

Como comentado no início deste artigo, alguns equipamentos já se utilizam do gerenciamento e controle da combustão diretamente na automação. Os grandes fabricantes de componentes para automação, têm na sua oferta de produtos CPU´s de PLC´s de processo com função safety integrada, assim como módulos de I/O´s com certificação de segurança com SIL2, 3 e 4. Essas ferramentas possibilitam desenvolver lógicas de intertravamentos e estratégias de controle para combustão, inclusive estratégias de controle complexas.

Mas como fazer a leitura do sinal do detector de chama no PLC?

Geralmente os sinais provindos de detectores de chama são de baixíssima corrente (da ordem de microampères) ou tensão da ordem de micro ou milivolts. Os módulos de entrada analógica dos PLC´s convencionais, na sua grande maioria, não detectam essas grandezas analógicas. Para resolver esse impasse, muitos projetistas optam pela utilização de dispositivos chamados de relés de chama. O detector de chama é conectado diretamente a esse hardware e, a partir do momento que o sensor detecta a chama, o hardware comuta uma saída digital (comutação ON-OFF). Segundo a NFPA 86, esse sinal deve ser conectado à uma entrada segura do PLC, assim como os demais sinais condicionais da combustão.

Alguns fabricantes de componentes de combustão, criaram PLC´s dedicados ao gerenciamento e controle seguro da combustão, com I/O´s seguras classe SIL3 onde, além dos blocos básicos de funções, agregam blocos de funções dedicados à combustão, como o gerenciamento e supervisão de chama e o controle da combustão, assim como a relação ar/combustível. Estes hardwares permitem, por exemplo, a conexão direta do detector de chama a uma entrada específica. O contraponto, que muitas vezes impede a utilização destes hardwares são algumas limitações de recursos como protocolos de comunicação, funções matemáticas avançadas e alguns outros recursos de software. Outro ponto sensível, ao menos por enquanto, é pouca disponibilidade de peças de reposição além do maior custo de aquisição se comparado aos PLC´s convencionais, mesmo às CPU´s de maior processamento.

Enfim, pelo exposto, a NFPA 86 é mais detalhada quanto ao tema aqui abordado e quando baseada nela, sim, é possível fazer o controle da combustão diretamente em PLC´s e a grande vantagem dessa arquitetura resume-se na facilidade da implementação da lógica de programação juntamente com as estratégias de controle, onde são facilmente integradas. As possibilidades de interação com os outros componentes da malha de automação são também ampliadas por conta da variedade dos protocolos de comunicação disponíveis.

Com a digitalização de processos cada vez mais em evidência por conta da indústria 4.0, a utilização da automação, desde que, aplicada de forma responsável, pode contribuir positivamente para elevação do nível de controle e automatismo de equipamentos térmicos, produzindo dados para que, num futuro bem próximo, possamos utilizá-los a nosso favor, tornando esses processos cada vez mais inteligentes.